O crime bárbaro que expôs o Brasil


O Brasil expôs suas entranhas, na última quinta-feira, quando dois seguranças espancaram e depois sufocaram à morte o soldador João Alberto Silveira Freitas, um cidadão negro de 40 anos, na garagem de um supermercado Carrefour, em Porto Alegre. Fizeram tudo enquanto filmados, não ligaram. Ao longo da sexta, o governo reagiu minimizando. “Não foi racismo”, afirmou mais de um, incluindo o vice-presidente Hamilton Mourão. No fim de semana, a revolta estourou.

Segundo o laudo da perícia, João Alberto foi morto por asfixia diante da mulher, Milena, que cobra justiça.

Quase tão chocante quanto o assassinato de João Alberto foi a reação do Executivo. O vice-presidente Hamilton Mourão descartou motivação racial porque “no Brasil não existe racismo”, e o presidente Jair Bolsonaro disse em videoconferência na reunião do G20 que as tensões raciais no Brasil “são importadas”. As declarações não encontraram eco no Legislativo nem no Judiciário. Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), repudiaram o crime, dizendo que ele “escancara o racismo no Brasil”. Na mesma linha, os ministros do STF mostraram indignação. Gilmar Mendes classificou o caso como um “assassinato bárbaro”.

O Grupo Carrefour vem desde sexta-feira tentando gerenciar a crise. No sábado, o CEO da rede, Noel Prioux, e o vice-presidente de Recursos Humanos, João Senise, ocuparam um minuto de horário nobre para se desculpar. Apesar disso, o Carrefour foi desligado da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, um grupo que reúne 72 companhias, e o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras pediu a cassação do alvará da loja onde ocorreu o crime. A rede é alvo de críticas por incidentes de violência, desrespeito e racismo no Brasil e no exterior, especialmente na França e na África.

A empresa Vector, contratada para fazer a segurança do Carrefour, disse ter demitido por justa causa os vigias Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva, filmados espancando morte de João Alberto, mas isso não deve acabar com seus problemas. A PM de São Paulo, onde fica a sede da Vector, está investigando a participação da cabo Simone Aparecida Tognini na sociedade da empresa. Ela consta como sócia desde 2015, mas só pediu afastamento das funções de policial no ano passado.

Protestos vêm acontecendo desde sexta-feira em diversos pontos do país, principalmente diante de lojas da rede. Ontem houve manifestações no Rio, em Salvador e em cidades do litoral paulista. Na sexta-feira, um grupo ateou fogo a produtos numa filial do Carrefour em São Paulo.

Wilson Gomes: “A forma mais insidiosa de discriminação, inclusive racial, é a ‘discriminação semiótica’. O preconceito é a silenciosa chave de leitura do outro: se pobre e/ou se preto ligue o botão de hostilidade e suspeita; se pobre ou preto é um pária social; precisando, bata, humilhe, mate. É tão insidiosa que é muito difícil de ser provada, a não ser que quem bata, humilha, impeça deixe escapar pela linguagem o preconceito que está ativo. Caso contrário, o delegado e o juiz ‘descartarão’ o racismo, pq ele não é detectável como um cheiro, uma secreção, uma cor.” (Twitter)

Fonte: Meio